Em artigo anterior foi analisado o reconhecimento
voluntário de filiação, marcante pela livre manifestação de vontade do pai ou
da mãe no ato de perfilhação. Resta-nos agora o exame do reconhecimento
judicial, também chamado de coativo ou forçado, que se dá por meio de uma
investigação de paternidade ou maternidade, a ser efetuada pelo Poder
Judiciário.
A legislação prevê o reconhecimento da paternidade e
da maternidade, porém, esta última quase não é utilizada, devido à presunção
existente em relação ao vínculo biológico materno (mater semper certa est). Em razão disso, analisaremos o
reconhecimento judicial em sua modalidade predominante, que se destina à
declaração da paternidade.
2. Investigação de Paternidade
O reconhecimento judicial é a opção que o filho
possui para ter a declaração de paternidade efetivada, quando não realizada
voluntariamente. Dá-se por meio de uma ação que ao final resulta na prolação de
uma sentença que terá efeitos ex tunc,
ou seja, que retroagirão à data do nascimento do filho, para caracterizar a
relação de paternidade desde aquele momento. O reconhecimento do estado de
filiação é direito indisponível, imprescritível e personalíssimo, que pode ser
direcionado aos pais ou aos herdeiros destes.
A ação de investigação pode ser interposta a
qualquer momento, ante seu caráter imprescritível. No entanto, a petição de
herança, a ser proposta no caso de ter sido declarada a paternidade, está
sujeita a prazo prescricional, fixado em 10 anos (art. 205 do CC/02), a contar
não da morte do pai, mas do reconhecimento efetuado judicialmente. Verifica-se,
portanto, que imprescritível é só a ação de investigação, diante da relevância
que possui o reconhecimento da paternidade, não se estendendo essa qualidade às
postulações que daí sobrevierem.
Cabe ressaltar que a ação de petição de herança só
poderá ser ajuizada após a declaração da paternidade, pois só assim terá o
filho legitimidade para pleitear sua qualidade de herdeiro. Desse modo, conclui-se
que o reconhecimento se apresenta como um pressuposto para a interposição da
citada ação, e se não preenchido, afasta a prescrição.
3. Legitimidade
Polo Ativo
É parte legítima para interpor a ação de
investigação de paternidade o filho, posto que é dele o direito personalíssimo
ao estado de filiação. Se for menor, será representado pela mãe ou tutor.
Saliente-se que a ação será proposta em seu nome, cabendo à mãe somente a
representação. Poderá haver litisconsórcio com irmãos que tiverem o mesmo suposto
pai, pois assim resolve-se a situação dos filhos em conjunto, tornando a
prestação jurisdicional mais célere e com custos reduzidos, consoante o
princípio da economia processual.
A ação de investigação não poderá ser proposta pelos
herdeiros e sucessores do legitimado que vier a falecer, salvo se isto ocorrer
sendo ele menor e incapaz. Porém, se já tiver sido iniciada a ação, pelo filho
que estiver buscando o reconhecimento, poderão os herdeiros continuá-la, exceto
quando julgado extinto o processo. É o que se infere do art. 1.606, parágrafo
único, CC.
Pode a ação ser proposta por filhos adulterinos e
incestuosos, sem as limitações existentes nos tempos passados, sob a vigência
do Código Civil de 1916. Também é visto como parte legítima para figurar em polo
ativo o nascituro, com a devida representação pela mãe. O filho adotivo pode
iniciar a ação de investigação, em busca de seu pai biológico, mas sem implicar
necessariamente a alteração do registro civil de nascimento, pois em certos
casos a afetividade existente entre o filho e o pai adotivo é de relevância
maior que o critério genético.
O Ministério Público também está autorizado a
interpor a ação de investigação, conforme preceitos da Lei 8.560/92, se houver
elementos suficientes, quando o oficial do Registro Civil encaminhar ao juiz os
dados sobre o suposto pai, fornecidos pela mãe ao registrar o filho. Neste
caso, atuará como parte do processo, possuindo legitimidade extraordinária
conferida por lei.
Polo Passivo
Deve figurar como sujeito passivo da ação de
investigação de paternidade o suposto genitor. No caso deste ter falecido, a
ação correrá contra os herdeiros. O cônjuge não assumirá a posição no polo
passivo, se houver descendentes ou ascendentes do pai, salvo se concorrer com
estes à herança. Não poderá figurar como réu o espólio do finado, visto que não
possui personalidade jurídica.
Segundo o art. 1.615 do CC/02, “Qualquer pessoa, que
justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou
maternidade.” Desse modo, observa-se que, apesar de haver menção expressa a
herdeiros em nossa legislação, admite-se a defesa por mais sujeitos, quando o
reconhecimento implicar prejuízos para terceiros.
Se à época provável da concepção a mãe mantinha
relações sexuais com dois ou mais homens, poderá o filho interpor a ação de
investigação de paternidade contra todos eles, produzindo-se exames para que
seja determinado o verdadeiro pai.
4. Meios de Prova
Para a ação de investigação de paternidade são
aceitos todos os meios de prova. Hoje em dia, com os avanços tecnológicos, são
preferíveis os exames de DNA, pois apresentam um grau de certeza quase
absoluta.
Há algum tempo atrás, quando não havia o
conhecimento aprofundado que se tem hoje a respeito da genética e de técnicas
suficientes para se determinar a paternidade, era comum que o réu se defendesse
com a negativa do fato. Porém, estando este provado, procedia à alegação da exceptio plurium concubentium (exceção
do concubinato plúrimo), que consistia na afirmação de que a mãe do autor
manteve relações sexuais com outro homem na época da concepção. Estando
comprovada essa questão, surgia a dúvida quanto a quem seria o pai do autor.
O normal era que se procedesse ao exame hematológico
para sanar essa dúvida. Porém, não possuía essa técnica um valor expressivo,
pois o resultado só tinha influência decisiva quando era pela não paternidade
do sujeito, excluindo-o do processo. Ao contrário, no caso de ter sido positiva
a conclusão do exame, surgia somente uma confirmação da possibilidade de o sujeito
ser o pai do autor, sem gerar presunção absoluta neste sentido. Portanto, era
complicada a solução de casos assim.
Com o avanço da ciência, foram criadas novas
técnicas para a investigação da paternidade, entre elas, o exame de DNA. Este
apresenta-se hoje como o mais preciso nos resultados, com percentual de acerto
estimado em 99,9%, gerando uma presunção quase absoluta a respeito da
paternidade. Inclusive, dita o parágrafo único do art. 2º-A, da Lei 8.560/92,
que “A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a
presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto
probatório.” Ou seja, a importância deste meio de prova é tão elevada que quem
rejeitá-lo sofrerá consequências tendentes à confirmação do aduzido pelo autor.
Saliente-se esta
característica, o exame de DNA, por mais útil que seja, com conclusões
relevantes para o caso, não pode ser considerado isoladamente. Se assim fosse,
haveria um descuido na análise do melhor caminho a ser tomado para a efetivação
do interesse do filho, que almeja o reconhecimento de sua filiação. Deve-se
conferir um maior valor ao exame de DNA, todavia, na formação da decisão, é de
bom alvitre apreciar o conjunto probatório reunido durante o trâmite do
processo, para que haja a conjugação dos entendimentos criados, visando ao
melhor resultado prático para o filho.
5. Efeitos do Reconhecimento
O reconhecimento opera efeitos ex tunc, ou seja, age retroativamente, com natureza declaratória,
afirmando a relação jurídica existente entre o filho e o pai desde o momento do
nascimento daquele, com todas as consequências daí advindas. Possui eficácia erga omnes, pois a paternidade declarada
cria relações jurídicas entre as partes e também entre estas e terceiros, não
podendo ser afastada em razão de situação excepcional.
O ato de reconhecimento não está sujeito a condição
ou termo. Isto quer dizer que o reconhecente não pode ter sua paternidade
declarada e sujeita a limites, como um prazo dentro do qual geraria efeitos, ou
circunstâncias que autorizariam a retirada desta qualidade. É o ato também
irrevogável, não se permitindo que seja desconstituído livremente. Neste caso,
somente é possível a anulação do reconhecimento, quando eivado de vício de
manifestação de vontade ou vício material.
O reconhecimento gera também efeitos de ordem moral
e patrimonial. Neste último caso, verifica-se a possibilidade de se discutir
questões de herança e de alimentos, visto que o filho reconhecido passa a ser
considerado igual aos demais, no tratamento devido e nos direitos decorrentes
da relação jurídica familiar.
No mais, percebem-se os efeitos gerados no âmbito
familiar da parte reconhecente, como por exemplo, o art. 1.611 do Código, que
dispõe: “O filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não
poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro”; além das
implicações no nome do reconhecido, que poderá ter o sobrenome do pai acrescido
ao seu, no tempo que desejar.
Referências:
GONÇALVES,
Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 6: Direito de Família.7.ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2010.
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3 ed. São
Paulo: Saraiva 2011.
VENOSA, Sílvio
de Salvo. Direito Civil: Direito
de Família. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
Quer citar o texto?
JESUS, Paulo Roberto Rocha de. Reconhecimento de Filiação: Judicial. Disponível em: <http://www.artigojus.com.br/2013/11/reconhecimento-de-filiacao-judicial.html>. Acesso em: DATA DO ACESSO.
DATA DE PUBLICAÇÃO DO ARTIGO: 14 nov. 2013.
Muito obrigado por esse resumo, ficou muito bom!
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