quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Reconhecimento de Filiação: Judicial

           

1. Introdução
Em artigo anterior foi analisado o reconhecimento voluntário de filiação, marcante pela livre manifestação de vontade do pai ou da mãe no ato de perfilhação. Resta-nos agora o exame do reconhecimento judicial, também chamado de coativo ou forçado, que se dá por meio de uma investigação de paternidade ou maternidade, a ser efetuada pelo Poder Judiciário.
A legislação prevê o reconhecimento da paternidade e da maternidade, porém, esta última quase não é utilizada, devido à presunção existente em relação ao vínculo biológico materno (mater semper certa est). Em razão disso, analisaremos o reconhecimento judicial em sua modalidade predominante, que se destina à declaração da paternidade.
2. Investigação de Paternidade
O reconhecimento judicial é a opção que o filho possui para ter a declaração de paternidade efetivada, quando não realizada voluntariamente. Dá-se por meio de uma ação que ao final resulta na prolação de uma sentença que terá efeitos ex tunc, ou seja, que retroagirão à data do nascimento do filho, para caracterizar a relação de paternidade desde aquele momento. O reconhecimento do estado de filiação é direito indisponível, imprescritível e personalíssimo, que pode ser direcionado aos pais ou aos herdeiros destes.
A ação de investigação pode ser interposta a qualquer momento, ante seu caráter imprescritível. No entanto, a petição de herança, a ser proposta no caso de ter sido declarada a paternidade, está sujeita a prazo prescricional, fixado em 10 anos (art. 205 do CC/02), a contar não da morte do pai, mas do reconhecimento efetuado judicialmente. Verifica-se, portanto, que imprescritível é só a ação de investigação, diante da relevância que possui o reconhecimento da paternidade, não se estendendo essa qualidade às postulações que daí sobrevierem.
Cabe ressaltar que a ação de petição de herança só poderá ser ajuizada após a declaração da paternidade, pois só assim terá o filho legitimidade para pleitear sua qualidade de herdeiro. Desse modo, conclui-se que o reconhecimento se apresenta como um pressuposto para a interposição da citada ação, e se não preenchido, afasta a prescrição.
3. Legitimidade
Polo Ativo
É parte legítima para interpor a ação de investigação de paternidade o filho, posto que é dele o direito personalíssimo ao estado de filiação. Se for menor, será representado pela mãe ou tutor. Saliente-se que a ação será proposta em seu nome, cabendo à mãe somente a representação. Poderá haver litisconsórcio com irmãos que tiverem o mesmo suposto pai, pois assim resolve-se a situação dos filhos em conjunto, tornando a prestação jurisdicional mais célere e com custos reduzidos, consoante o princípio da economia processual.
A ação de investigação não poderá ser proposta pelos herdeiros e sucessores do legitimado que vier a falecer, salvo se isto ocorrer sendo ele menor e incapaz. Porém, se já tiver sido iniciada a ação, pelo filho que estiver buscando o reconhecimento, poderão os herdeiros continuá-la, exceto quando julgado extinto o processo. É o que se infere do art. 1.606, parágrafo único, CC.
Pode a ação ser proposta por filhos adulterinos e incestuosos, sem as limitações existentes nos tempos passados, sob a vigência do Código Civil de 1916. Também é visto como parte legítima para figurar em polo ativo o nascituro, com a devida representação pela mãe. O filho adotivo pode iniciar a ação de investigação, em busca de seu pai biológico, mas sem implicar necessariamente a alteração do registro civil de nascimento, pois em certos casos a afetividade existente entre o filho e o pai adotivo é de relevância maior que o critério genético.
O Ministério Público também está autorizado a interpor a ação de investigação, conforme preceitos da Lei 8.560/92, se houver elementos suficientes, quando o oficial do Registro Civil encaminhar ao juiz os dados sobre o suposto pai, fornecidos pela mãe ao registrar o filho. Neste caso, atuará como parte do processo, possuindo legitimidade extraordinária conferida por lei.
Polo Passivo
Deve figurar como sujeito passivo da ação de investigação de paternidade o suposto genitor. No caso deste ter falecido, a ação correrá contra os herdeiros. O cônjuge não assumirá a posição no polo passivo, se houver descendentes ou ascendentes do pai, salvo se concorrer com estes à herança. Não poderá figurar como réu o espólio do finado, visto que não possui personalidade jurídica.
Segundo o art. 1.615 do CC/02, “Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade.” Desse modo, observa-se que, apesar de haver menção expressa a herdeiros em nossa legislação, admite-se a defesa por mais sujeitos, quando o reconhecimento implicar prejuízos para terceiros.
Se à época provável da concepção a mãe mantinha relações sexuais com dois ou mais homens, poderá o filho interpor a ação de investigação de paternidade contra todos eles, produzindo-se exames para que seja determinado o verdadeiro pai.
4. Meios de Prova
Para a ação de investigação de paternidade são aceitos todos os meios de prova. Hoje em dia, com os avanços tecnológicos, são preferíveis os exames de DNA, pois apresentam um grau de certeza quase absoluta.
Há algum tempo atrás, quando não havia o conhecimento aprofundado que se tem hoje a respeito da genética e de técnicas suficientes para se determinar a paternidade, era comum que o réu se defendesse com a negativa do fato. Porém, estando este provado, procedia à alegação da exceptio plurium concubentium (exceção do concubinato plúrimo), que consistia na afirmação de que a mãe do autor manteve relações sexuais com outro homem na época da concepção. Estando comprovada essa questão, surgia a dúvida quanto a quem seria o pai do autor.
O normal era que se procedesse ao exame hematológico para sanar essa dúvida. Porém, não possuía essa técnica um valor expressivo, pois o resultado só tinha influência decisiva quando era pela não paternidade do sujeito, excluindo-o do processo. Ao contrário, no caso de ter sido positiva a conclusão do exame, surgia somente uma confirmação da possibilidade de o sujeito ser o pai do autor, sem gerar presunção absoluta neste sentido. Portanto, era complicada a solução de casos assim.
Com o avanço da ciência, foram criadas novas técnicas para a investigação da paternidade, entre elas, o exame de DNA. Este apresenta-se hoje como o mais preciso nos resultados, com percentual de acerto estimado em 99,9%, gerando uma presunção quase absoluta a respeito da paternidade. Inclusive, dita o parágrafo único do art. 2º-A, da Lei 8.560/92, que “A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.” Ou seja, a importância deste meio de prova é tão elevada que quem rejeitá-lo sofrerá consequências tendentes à confirmação do aduzido pelo autor.
Saliente-se esta característica, o exame de DNA, por mais útil que seja, com conclusões relevantes para o caso, não pode ser considerado isoladamente. Se assim fosse, haveria um descuido na análise do melhor caminho a ser tomado para a efetivação do interesse do filho, que almeja o reconhecimento de sua filiação. Deve-se conferir um maior valor ao exame de DNA, todavia, na formação da decisão, é de bom alvitre apreciar o conjunto probatório reunido durante o trâmite do processo, para que haja a conjugação dos entendimentos criados, visando ao melhor resultado prático para o filho.
5. Efeitos do Reconhecimento
O reconhecimento opera efeitos ex tunc, ou seja, age retroativamente, com natureza declaratória, afirmando a relação jurídica existente entre o filho e o pai desde o momento do nascimento daquele, com todas as consequências daí advindas. Possui eficácia erga omnes, pois a paternidade declarada cria relações jurídicas entre as partes e também entre estas e terceiros, não podendo ser afastada em razão de situação excepcional.
O ato de reconhecimento não está sujeito a condição ou termo. Isto quer dizer que o reconhecente não pode ter sua paternidade declarada e sujeita a limites, como um prazo dentro do qual geraria efeitos, ou circunstâncias que autorizariam a retirada desta qualidade. É o ato também irrevogável, não se permitindo que seja desconstituído livremente. Neste caso, somente é possível a anulação do reconhecimento, quando eivado de vício de manifestação de vontade ou vício material.
O reconhecimento gera também efeitos de ordem moral e patrimonial. Neste último caso, verifica-se a possibilidade de se discutir questões de herança e de alimentos, visto que o filho reconhecido passa a ser considerado igual aos demais, no tratamento devido e nos direitos decorrentes da relação jurídica familiar.
No mais, percebem-se os efeitos gerados no âmbito familiar da parte reconhecente, como por exemplo, o art. 1.611 do Código, que dispõe: “O filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro”; além das implicações no nome do reconhecido, que poderá ter o sobrenome do pai acrescido ao seu, no tempo que desejar.



Referências:
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 6: Direito de Família.7.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. 
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3 ed. São Paulo: Saraiva 2011.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

Quer citar o texto?
JESUS, Paulo Roberto Rocha de. Reconhecimento de Filiação: Judicial. Disponível em: <http://www.artigojus.com.br/2013/11/reconhecimento-de-filiacao-judicial.html>. Acesso em: DATA DO ACESSO.


DATA DE PUBLICAÇÃO DO ARTIGO: 14 nov. 2013.

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