O Direito, ao longo dos anos, passou por diversas transformações em suas formas de apresentação. Entre os povos mais antigos predominava o costume como indicador de praticamente todos os direitos e deveres de cada indivíduo. Devido à situação e ao nível de desenvolvimento intelectual e cultural em que se encontravam esses povos, não era possível ainda estabelecer formas mais complexas e eficientes de se aplicar o direito. Portanto, este nascia dos costumes praticados pela população, sendo considerado infringente aquele que os desrespeitasse.
À medida que o tempo foi passando surgiram outros modos de criação do direito, inicialmente por meio da atuação da religião, caminhando depois para a participação decisiva do governo. As primeiras civilizações que surgiram no mundo trouxeram enormes avanços que seriam utilizados futuramente em outras regiões. Um deles é o uso da escrita, que ampliou a comunicação entre as pessoas e possibilitou a passagem do conhecimento produzido para as gerações posteriores. Essa inovação fez surgir uma nova forma de organizar o direito, que até então estava disperso pelo povo sendo passado através da língua falada. Essa nova forma foi o uso de um código para agrupar as normas criadas pelo governo.
2. Conceito de Código e suas Características
O entendimento que se tem hoje sobre código (palavra que se originou do latim codex) é o de um conjunto organizado de normas que tratam de um tema amplo do Direito, observando cada questão que ele pode suscitar e estabelecendo medidas a serem tomadas. É o que se pode observar nos dizeres de Dourado (2006, p. 138): “código é o conjunto de normas ordenadas de forma sistemática, enumeradas segundo plano predeterminado, que rege matéria jurídica vasta, em regra, correspondente a uma parte do direito”. Como visto acima, o autor afirma ser a ordenação sistemática um atributo do código, mostrando que é preciso haver uma organização das normas, de modo que cada uma possa contribuir para o entendimento do todo. Pelo fato de o código tratar de uma matéria jurídica vasta, torna-se necessário que todos os seus fragmentos estejam vinculados entre si e ao assunto abordado, senão poderá haver dificuldade na compreensão do texto legal, comprometendo a aplicação do mesmo.
Semelhante definição é dada por Nader (2009, p. 208): “Código é o conjunto orgânico e sistemático de normas relativas a um amplo ramo do Direito”. Percebe-se novamente a presença da ordenação das normas, utilizando o autor outro termo para destacar essa característica do código: a organicidade. Segundo ele, o código pode ser comparado ao corpo de um animal, pois da mesma forma que este possui diversos órgãos que realizam atividades necessárias para o funcionamento do todo, aquele também tem um entrelaçamento entre as suas diversas partes, atuando cada qual em harmonia com as demais e complementando-as para que se tenha a compreensão do texto.
O código é uma lei, porém difere desta devido a algumas particularidades. O conteúdo tratado num código é geralmente um ramo do Direito ou a essência desse ramo. Seu texto é composto de todas (ou quase todas) as regras destinadas a uma matéria de grande alcance na sociedade. Já a lei não apresenta necessariamente um texto longo, detalhado e exaustivo. Ela é mais específica, atendo-se somente a uma determinada situação ou fato jurídico. Além disso, o código possui uma estrutura, formada por livros, títulos, capítulos, seções, etc. que são importantes para a organização do texto.
A revogação de um código ocorre da mesma forma que a lei. Se vier expressamente no texto do novo código que ele revoga o anterior, então tal procedimento deve ser tomado. Se não vier expresso, revogam-se no anterior os institutos que são tratados no novo código, mas não os que tratarem de matéria omitida no novo texto. Se houver disposições contraditórias nos dois códigos, revogam-se as do anterior, prevalecendo as do que estiver em vigor.
3. Código, Consolidação, Compilação e Estatuto
Um grande problema hoje encontrado é a confusão entre os termos código, consolidação e compilação. É preciso estabelecer as distinções entre eles para que não haja conflito no entendimento de suas naturezas. O código é uma lei que abrange um ramo do direito. Antigamente foram feitos alguns códigos, mas que na verdade não poderiam receber essa denominação pelo entendimento atual. Exemplos podem ser tirados de nossa história: o Código de Hammurabi, o Código de Manu, a Lei das XII Tábuas, entre outros. Esses códigos reuniam todo o direito produzido na sociedade, que partiam dos costumes e das tradições religiosas. Eles não possuíam também uma ordenação sistemática, sendo apenas um conjunto de frases que expressavam a opinião social e a cultura praticada pela população (compilação). Não se tratavam, portanto, de uma lei sobre matéria vasta, e sim de uma forma de se ter por escrito todas as regras vigentes na época, para assim se estabelecer uma maior seriedade e obrigatoriedade no cumprimento da norma.
A consolidação é uma reunião de disposições que tratam da mesma matéria. Não é organizada sistematicamente, pois o objetivo buscado com a elaboração dela não é o de estabelecer uma sequência de regras que se autocompletam, e sim o de agrupar as normas que já foram produzidas e que tratam de um tema em comum para que seja mais fácil localizar a específica para determinada situação. Pelo fato de não ser tão rígido o processo de sua formação, já que não é preciso observar a sistematização, ela tem sua criação concluída em um tempo menor. O próximo passo após a consolidação é a elaboração de um código, para que o tema seja abordado de forma mais detalhada e sua aplicação ocorra com mais eficiência. Um grande exemplo no Direito Brasileiro que vale ressaltar é a vigente Consolidação das Leis do Trabalho.
A compilação é somente uma reprodução do direito existente em uma sociedade, na forma escrita. Ela não segue um mesmo método sempre e não possui uma mesma estrutura, nem abrange também um ramo do direito por completo. É uma redação que apresenta o que uma civilização segue e pratica. Pode haver compilação de costumes, normas, jurisprudência, enfim, de qualquer tipo de orientação e prática própria de um povo. Em certos casos a compilação era feita seguindo uma ordem cronológica, na qual eram dispostas as normas ou disposições dependendo da antiguidade delas. Havia também um processo de compilação que dividia o direito em matérias. Pode-se observar que ela não cria uma estrutura complexa e detalhada do direito, mas tão-somente uma apresentação escrita do que está sendo utilizado como norteador das relações humanas dentro de um grupo social.
O estatuto não deve ser confundido com o código, pois ele é uma reunião de normas pertinentes não a um ramo do direito, mas a um certo grupo de pessoas, a uma categoria social. Visto isso, percebe-se que a matéria tratada num estatuto não chega à amplitude da que é tratada num código. Este é muito extenso, já que possui a generalidade como propriedade, atingindo toda a esfera jurídica do Estado e disciplinando uma matéria de grande importância e tamanho no Direito.
4. Origem do Processo de Codificação
Os códigos, na sua acepção atual, surgiram devido a vários fatores e necessidades que se apresentavam às nações modernas. A sua utilização facilitou a aplicação do direito, trazendo mais velocidade e conferindo aos dispositivos legais uma maior coerência, já que estes passaram a ser dispostos de forma sistemática e interligados, como já acima foi dito.
Um dos grandes fatores que contribuíram para a codificação foi o movimento racionalista que ocorria na Europa durante os séculos XVII e XVIII. O racionalismo trouxe um avanço para o pensamento da época, liberando-o da tradição religiosa e dos métodos arcaicos de estudo. A razão ocupou o papel central como meio para se chegar ao conhecimento. Através dela o homem poderia entender todos os princípios que regem as relações humanas, organizando-os em regras que serviriam para coordenar o comportamento das pessoas de modo que se atingisse um estado de progresso, atendendo-se aos interesses da coletividade. Vê-se então que o racionalismo influiu fortemente para o aparecimento dos códigos.
Vários Estados se constituíam de diferentes grupos e etnias (resultado das migrações que foram possibilitadas com as navegações), e ocorriam conflitos em seus territórios, já que cada grupo tinha seus interesses, nem sempre compatíveis entre si. O objetivo desses Estados era alcançar a unidade política, e para isso, tornou-se necessário que ocorresse primeiramente a unificação do direito. Essa unificação veio com o surgimento da codificação. Se todo o Estado estivesse regido sob as mesmas normas não haveria desigualdade e distinções no tratamento dos diversos grupos e camadas sociais que compunham o povo. O Direito precisava então deixar de ser fragmentado e passar a ser generalizado para que as condições das pessoas fossem as mesmas e se tivesse uma única sociedade.
A codificação foi iniciada também para ajudar na decisão dos casos e na aplicação da justiça. As fontes do direito que já existiam não estavam servindo de forma eficiente na elaboração das regras necessárias à regulamentação das relações humanas. Precisava-se de um novo modelo que fosse utilizado para sistematizar o direito, deixando claro o seu significado e facilitando a interpretação das normas. A partir do uso dos códigos o direito passou a ser dividido nos ramos que hoje conhecemos, à medida que se iam descobrindo novas matérias que deveriam ser coordenadas pelo Estado.
5. Vantagens e Desvantagens
A codificação trouxe agilidade em certos aspectos e morosidade em outros. O código facilita a busca dos dispositivos referentes a um certo caso e permite às pessoas que não são profissionais da área conhecerem a norma. A velocidade com que se dá a interpretação da regra é vista como um benefício trazido pelos códigos. Por ter seu texto organizado de forma sistemática, as subdivisões dentro de um ramo do direito são destacadas, diminuindo-se assim o campo de pesquisa. Outra vantagem dos códigos é a generalidade. Quando se tem uma só lei que regulamenta uma matéria de grande importância do direito, reduz-se a possibilidade de haver conflitos entre as fontes que tratarem do assunto. Por ser a lei fonte imediata do direito, o código se apresenta como principal solução para os casos relacionados à sua área.
Apesar de tornar ágil a busca dos dispositivos, o código atrasa a inovação e evolução do direito, devido à sua rigidez, que é uma de suas principais características. O processo de codificação é lento e deve ser feito com muita cautela, pois cada regra deve estar em conformidade com as demais. A todo instante surgem novas situações que precisam ser reguladas, criando novos efeitos jurídicos. Há uma dinamicidade no direito, que altera o contexto onde esse se aplica, exigindo-se então uma revisão do texto legal, para que a este se adicionem ou retirem normas, visando à adaptação à nova realidade. O que obsta ao legislador é justamente a rigidez do código.
Quando se vai alterar um código, é necessário que se tenha atenção a todas as normas direta e indiretamente ligadas ao que se pretende modificar. A probabilidade de se chocarem algumas dessas normas é grande, se não forem tomados os devidos cuidados. Normalmente o legislador, sabendo do enorme trabalho que sobre ele recairá, caso decida por iniciar uma alteração do código, opta por não fazê-lo.
Constantemente se veem questões levantadas pelos doutrinadores quanto à conveniência e aplicabilidade de certas regras vigentes no ordenamento jurídico, mas essas questões dificilmente são solucionadas no código. Cabe aqui a reprodução dum excerto da obra “Introdução à Ciência do Direito”, de Ascensão (2005, p.348):
Mesmo em relação a códigos centenários, verificamos que querelas doutrinárias sobre pontos fundamentais os acompanharam em toda a sua existência, sem que durante tanto tempo nenhum dos tão diversos legisladores que se sucederam se tivesse abalançado a redigir a alteração, por vezes bem pequena, que teria liquidado a disputa. Por isso um código é um obstáculo à evolução e à adaptação da ordem jurídica.
Percebe-se que a dinamicidade não é correspondida pelo texto legal, havendo um atraso na inovação do direito. Este fica prejudicado enquanto a sociedade avança, e esse atraso acaba interferindo nas relações humanas. O certo seria haver modificações constantes em tudo que não mais fosse compatível com o contexto social e cultural do momento. Porém, como já foi dito, essas mudanças no código podem levar a choques de normas, criando-se mais trabalho e morosidade no andamento do Poder Legislativo.
6. Um Pouco da História dos Códigos
Logo após a Revolução Industrial, que iniciou o aparecimento da classe proletária, e durante o desenvolvimento do Racionalismo e do Iluminismo, surgiram necessidades e interesses nos Estados europeus que levaram à criação dos códigos. O que mais se destacou foi o Código de Napoleão, criado na França após a Revolução Francesa, que defendia o direito a liberdade e visava à organização da sociedade baseado no novo modelo de governo implantado. Outro código muito mencionado pelos autores é o Código Civil alemão, que junto com o de Napoleão, influenciaram na codificação realizada em outros países.
No Brasil, ainda durante o período de império, surgiram alguns códigos, como o Criminal de 1830 e o de Processo Criminal de 1832. O que aqui mais se destacou e que trouxe maiores inovações foi o Código Civil de 1916, redigido após a proclamação da República. A constituição de 1824 determinava que ele fosse instituído, mas houve uma grande demora para que isso ocorresse, pois o Congresso não aceitou os primeiros projetos formulados, exigindo que outros fossem feitos.
O primeiro encarregado da tarefa de redigir o Código Civil foi Teixeira de Freitas, que propôs primeiro uma compilação das normas já existentes relativas às relações civis, para que a partir dela se elaborasse o Código. Ele queria que o Código Civil incluísse o Direito Comercial, que estava separado com uma legislação própria. O governo não pensava assim, e essa diferença de entendimentos foi o principal motivo para que o “Esboço de Código Civil” elaborado por Freitas não fosse aprovado.
Surgiram vários projetos que não deram resultado, até que Clóvis Beviláqua foi contratado para assumir tal missão. Depois de terminado, seu trabalho foi enviado para o Congresso, para passar pelo processo de discussão e aprovação. A Câmara dos Deputados aceitou o projeto, mas o Senado, por força das críticas feitas por Rui Barbosa, demorou muito a dar sua posição. A Câmara propôs que o texto fosse utilizado enquanto a outra Casa discutia a aprovação. Essa pressão fez com que o Senado aceitasse o projeto, com as emendas apresentadas por Rui Barbosa. No dia 1º de Janeiro o texto redigido por Beviláqua foi sancionado e promulgado, entrando em vigor um ano após.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, surgiu a necessidade da elaboração de um novo Código Civil. Este foi aprovado em 10 de Janeiro de 2002, incluindo em seu conteúdo o Direito Comercial e tratando de novas situações que foram suscitadas com a nova Constituição.
7. Recepção do Direito Estrangeiro
Um fenômeno que ocorre em diversos países é o uso de direitos, regras, princípios que são utilizados no exterior, adequando-os à realidade nacional. Esse recurso acontece quando se percebe que há uma legislação em algum país, vigorando e criando efeitos jurídicos cabíveis, que solucionam os conflitos sociais internos, atendendo ao objetivo de se ter justiça. Tal legislação é copiada, no todo ou em parte, alterando onde for necessário para que se adapte ao contexto social, político, cultural do país. Também é utilizada como base para a criação de novas normas.
Um exemplo que é considerado pelos profissionais do direito como o maior hoje visto é a recepção do direito romano por vários países da Europa. Roma desenvolveu bastante o direito, ampliando a área de sua aplicação e criando institutos que anteriormente não existiam. Durante a Idade Média, alguns juristas estudaram o direito romano, principalmente o Corpus Iuris Civilis, e fizeram algumas observações, que foram chamadas de glosas. Essas observações eram interpretações e acréscimos que eles julgavam necessárias às normas antigas para que elas pudessem funcionar no mundo feudal. O papel dos glosadores mostra o fenômeno da recepção. Esse direito exerceu influência até os dias de hoje, estando presente em diversas legislações.
Referências:
CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito Geral e Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito Geral e Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
ASCENSÃO, José de Oliveira. Introdução à Ciência do Direito. 3.ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
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JESUS, Paulo Roberto Rocha de. Codificação do Direito. Disponível em: <http://www.artigojus.com.br/2011/06/codificacao-do-direito.html>. Acesso em: DATA DO ACESSO.
DATA DE PUBLICAÇÃO DO ARTIGO: 22 jun. 2011.
Muito bom!
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